A boemia e a noite
Diversos dicionários definem boemia como a prática de um estilo de vida não convencional, alegre, simples e despreocupado. Muitas vezes na companhia de pessoas afins, envolvendo atividades musicais, artísticas ou literárias. Segundo eles, os boêmios podem ser errantes, aventureiros ou vagabundos.
Creio que algumas coisas ainda caibam no significado do termo, embora outras já caíram em desuso há muito tempo e não se enquadram mais para essa definição.
Originário do termo francês bohème, no século XV, se referia aos ciganos que chegaram à França a partir da região da Boêmia. Logo depois, no século XVII era a palavra que definia uma pessoa que levava a vida desregrada.
No Brasil do século XIX, a boemia viraria sinônimo de jovens intelectuais e artistas que se reuniam em bares e cafés, principalmente noite a dentro, e a partir dali discutiam o momento atual e o futuro do país, marcando assim uma época histórica de transformações sociais, políticas e estéticas.
Fiz essa introdução para explicar que as definições de boemia mudaram ao longo dos anos. Hoje não é vergonha dizer que você é um boêmio. Pelo menos em um raciocínio lógico, não lhe julgarão como um despreocupado, um irresponsável ou um à toa no mundo, como eram considerados os ciganos que chegaram à França.
Gostar da boemia nem sempre necessita ter relação com estar pela rua ou por um bar na Vila Madalena ou na Vila Olímpia, em São Paulo, na Lapa, no Rio de Janeiro, na Cidade Baixa ou no Moinhos de Vento, em Porto Alegre, ou na Santa Tereza, em Belo Horizonte. A boemia, acredito que tenha muita relação com a noite. Gostar da noite é uma das características, seja na rua ou até mesmo em casa. E isso não é necessariamente uma atitude de jovens e solteiros. Gostar de ir em um restaurante ou um bar legal com sua namorada, esposa e curtir o momento até altas horas é uma forma de aproveitar a boemia.
No momento que escrevo esse texto, o relógio marca 3h23min de uma quarta-feira. É silêncio, no fone de ouvido toca jazz, no piano, eu pensei em pegar uma dose de uísque, mas dessa vez preferi uma xícara de café. Eu trabalho muito a noite, meu rendimento é melhor. Eu leio e escrevo muito mais a noite. Isso não é ser boêmio? Gostar da noite, seja para um bate papo em qualquer lugar ou mesmo trabalhar, produzir, são traços de boemia.
Fica aqui um dos significados do início desse texto que fala de uma vida não convencional. Claro que tenho compromissos durante o dia, minha filha e a esposa dormem nesse momento, mas durante o dia devo também estar ao lado delas. Nos últimos anos há uma desconstrução do que é convencional. O convencional é o que convém a si mesmo. Se isso não traz problemas a ninguém e você utiliza um horário diferente da maioria para trabalhar, produzir, fazer coisas que gosta, qual o problema? Se para você faz sentido assim, consegue com que as coisas deem certo assim sem impactar de forma negativa na vida de ninguém, então pronto.
A noite, a escuridão e o silêncio dos carros são aliados de quem escreve, mas também de quem produz em muitas áreas artísticas e culturais. Há diversas formas de boemia, ela é mais ampla do que definições rasteiras e pejorativas.
No fundo, tem muita relação com o gostar da noite, seja para estar em casa ou não, seja para produzir, trabalhar ou não. Claro, eu não fico diariamente trabalhando apenas a noite, mas eu gostaria. A noite passa um sentimento de introspecção muitas vezes, conseguimos buscar no fundo da alma pensamentos que durante o dia, por conta da loucura que é, fica mais difícil.
Seja para trabalhar e criar ou para ir a um restaurante ou a um bar, a noite é ideal, principalmente se você está em uma boa companhia. Se isso é ser boêmio, então eu digo que sou!