Bate-papo na sala de espera

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Naquela tarde cinzenta de quarta-feira, Adelaide estava sentada na sala de espera do consultório. Ela chegara adiantada para a consulta e aproveitava para seguir sua leitura, um livro que ganhou no seu último aniversário.

Sabrina entra na sala de espera e o único lugar vago é ao lado de Adelaide. Após alguns minutos de silêncio total:
– Muito bom esse livro, né? – diz Sabrina, quebrando o silêncio.
– Verdade! Gosto muito desse escritor – devolve Adelaide.
– Se todas as grandes histórias de amor do mundo literário pudessem existir, não é? No fundo não passam de contos de fadas – disse Sabrina.

Adelaide tinha cerca de 25 anos a mais que Sabrina e seu casamento não ia bem. Embora ela tivesse certeza de que sua vida conjugal não era tão boa, ela preferia levar em frente mesmo assim, por conta dos filhos adolescentes, da família que poderia pensar mal, dos vizinhos que poderiam julgá-la e dos colegas de trabalho que poderiam lhe ver com outros olhos.

– Você é casada? – perguntou Adelaide.
– Não, não. Até penso em casar, mas não encontrei a pessoa correta. Sou um pouco exigente e prefiro não me relacionar sério com alguém que não valha a pena. Não quero ser uma mulher de meia idade frustrada por ter se acomodado e feito a escolha errada. E você, bem casada? – disse Sabrina.
– É… sou, sim – respondeu Adelaide, meio sem jeito.
– Que bom então! Encontrou o príncipe encantado? – perguntou Sabrina.
– É, mais ou menos isso – sorriu Adelaide, para emendar: – Também não é aquele príncipe, mas estamos juntos há décadas -.
– Por isso não me relaciono sério até achar a pessoa que eu julgar certa – falou Sabrina e retribuiu o sorriu.
– A pessoa tem que mexer comigo, me trazer uma sensação de algo diferenciado e o mais completo possível. Nada de ir empurrando enquanto perco tempo. O coração tem que bater diferente. É como um cd onde todas as músicas são boas, sabe? Para eu começar a namorar, a sensação tem que ser a mesma – explicou Sabrina.

Adelaide já estava ficando com um misto de raiva e sem jeito com tantas coisas que aquela pirralha lhe falava sobre relacionamentos.
– Na prática não é bem assim. Nós vamos aprendendo e lapidando o relacionamento dia após dia. Não vem assim já pronto – respondeu Adelaide, com um tom mais sério.
– No momento que estamos conhecendo a pessoa elas deixam no ar várias pistas de como serão depois. Eu fico atenta a tudo, de como o cara reage ao dirigir em um engarrafamento até o tipo de filme que ele gosta – continuou refletindo Sabrina.
– Parece um pouco neurótica, não? – seguiu incomodada Adelaide.
– Neurótica é como eu ficaria comigo mesma ao me culpar por ter entrado em um relacionamento que não fosse bom e fizesse eu apenas perder tempo. A vida passa muito rápido. Quanto antes fizermos as escolhas certas, antes poderemos ser mais felizes – respondeu Sabrina.
– Você acha que sabe muito para a pouca idade que tem. No dia a dia verá que não é bem assim – disse Adelaide, saindo um pouco do tom, mesmo sabendo que no fundo Sabrina tinha razão.
– Dona Adelaide? É sua vez! – chamou, a recepcionista.

Adelaide se despediu de Sabrina e entrou na sala de consulta, agora com a cabeça cheia de dúvidas que lhe causavam um friozinho no estômago. “Será que estou apenas perdendo tempo?”, ela se perguntava. A partir desse dia, Adelaide se pegaria pensando por diversas vezes a relação entre acomodação e felicidade.

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